sábado, 31 de março de 2007

O Brasil das 181 mil leis

Em um dos mais anacrônicos regimes legais do mundo, o País bate recorde de leis, muitas das quais obsoletas

Por Rudolfo Lago

Imagine um oficial britânico, herói de guerra. Ele perdeu a perna em combate contra os nazistas na Segunda Guerra Mundial. Agora, aos 80 anos, ele resolve passar o verão no Brasil. Ao desembarcar no aeroporto, porém, é barrado e mandado de volta para casa. Motivo alegado pelas autoridades: o estrangeiro não pode entrar porque é mutilado e tem mais de 60 anos de idade. Por incrível que pareça, tamanho absurdo está previsto na legislação brasileira. O decreto-lei nº 4.247 dá amparo legal a essa medida que poderia, em última instância, causar um grave conflito diplomático. Trata-se de uma norma discriminatória criada em 1921 para regular a entrada de imigrantes e até hoje em vigor. É o exemplo esdrúxulo de um cipoal que confunde juízes, advogados e qualquer cidadão brasileiro: o número excessivo de leis brasileiras. O Brasil tem nada menos que 181 mil normas legais, segundo um levantamento feito pela Casa Civil da Presidência. E ninguém sabe ao certo quantas delas já foram revogadas e quantas ainda estão em vigor.


Muitas normas caducaram e perderam completamente o sentido. Existem leis feitas para um homem só (leia quadro acima), decretos que dão ao ministro das Relações Exteriores a prerrogativa de permitir casamentos de diplomatas de carreira com pessoas estrangeiras e até mecanismos automáticos de indexação salarial, resquício da época da hiperinflação. Legislações antigas colidem com outras mais novas ou às vezes diferem apenas em pequenos detalhes. Leis específicas estabelecem penas maiores ou menores para delitos já especificados no Código Penal. Na prática, se há muitas normas legais aplicáveis no julgamento de um determinado delito, o que prevalece no final depende da competência do advogado ou da decisão do juiz. O excesso de normas legais onera as empresas, obrigadas a contratar caros serviços advocatícios e consultorias jurídicas. E prejudica os cidadãos. O resultado é um estado de freqüente insegurança jurídica. As pessoas se tornam completamente incapazes de resistir a um princípio básico do direito: ninguém pode alegar em sua defesa o desconhecimento da lei. “No Brasil, acontece o oposto. Ninguém pode dizer que conhece completamente as leis”, critica o deputado Cândido Vaccarezza (PT-SP).


Vaccarezza foi designado pelo presidente da Câmara, Arlindo Chinaglia (PT-SP), para presidir um grupo especial que terá como tarefa avaliar todas essas 181 mil leis e eliminar tudo o que houver de excesso. A idéia é expurgar de uma vez por todas as leis efetivamente revogadas, extinguir aquelas que a modernidade tornou caducas, unir as que se repetem e eliminar as que colidem entre si. Sobrarão, se tudo der certo, não mais do que mil leis no País. Elas serão publicadas em 18 volumes de acordo com o tema a que se referem. “Será um grande avanço. O excesso de normas é um dos maiores problemas do Brasil”, afirma Vaccarezza.


Somente na área tributária, existem nada menos que 809 leis, decretos, portarias e resoluções em vigor. É um inferno para qualquer empresa ou cidadão que paga seus impostos e taxas em dia. Algo que o jurista Ives Gandra Martins chama de “disenteria legislativa”. A necessidade de enxugar a legislação brasileira é um tema que fascina o filho do jurista, o ministro do Tribunal Superior do Trabalho (TST), Ives Gandra Martins Filho. No governo Fernando Henrique Cardoso, ele integrou, juntamente com o hoje ministro do Supremo Tribunal Federal, Gilmar Mendes, uma comissão que tentou iniciar a consolidação legal na Casa Civil da Presidência. “Na época, a tentativa não avançou mais porque talvez tenha faltado um projeto de marketing que sensibilizasse as pessoas e os políticos sobre o tamanho do problema”, diz Gandra Filho.


De qualquer modo, o trabalho anterior servirá de base para o início do projeto que Vaccarezza irá tocar na Câmara. Cada um dos ministérios já fez um mapeamento da legislação nos seus respectivos setores. Tudo foi processado em um programa de computador desenvolvido pelo Serviço de Processamento de Dados do Senado (Prodasen). Três CDs entulhados com milhares de leis, normas, decretos e similares deverão ser meticulosamente estudados para reduzir o total a ponto de caber num simples disquete. “Um trabalho de enxugamento bem feito poderia deixar o País com algo entre 500 e mil leis”, estima Gandra Filho.


No STF, o ministro Gilmar Mendes já garantiu a Vaccarezza a adesão do Poder Judiciário ao processo de enxugamento legal. E encaminhou à presidente do Supremo, Ellen Gracie, um pedido para que o tribunal envie ao deputado uma lista de leis que já foram julgadas inconstitucionais. “Por incrível que pareça, muitas dessas leis não foram explicitamente revogadas e há muitos advogados que às vezes as invocam em processos. Eliminá-las de vez vai representar uma redução significativa na quantidade de leis vigentes”, afirma. Sinal da confusão legislativa brasileira, nem mesmo o STF sabe ao certo quantas seriam essas leis.
Fonte: Revista Istoé Online, de 04/04/2007.

quinta-feira, 29 de março de 2007

Cara limpa

Juiz proíbe uso de capacetes para motociclistas

De acordo com o Código Nacional de Trânsito, motociclistas são obrigados a usar capacete. No entanto, em São Sebastião, cidade com 30 mil habitantes no agreste alagoano, o juiz Jairo Xavier Costa proibiu o seu uso por motociclistas. Para ele, os criminosos que usam motocicletas para praticar delitos são ocultados pelo capacete. “O que impede qualquer identificação por parte das autoridades”, alega.

“Essa medida não deve ser considerada uma rebeldia aos princípios constitucionais. Mas, o nosso objetivo é contribuir para a redução da violência", afirmou. A decisão foi comunicada às Polícias Civil e Militar, além do Poder Executivo e é válida apenas para São Sebastião. A informação é da Gazeta de Alagoas.

Na decisão, o juiz estende a portaria, ainda, aos passageiros ou ao carona. Na semana passada, na primeira reunião do Gabinete de Gestão Integrada (GGI), criado em Alagoas para combater os crimes, o secretário de Defesa Social, general Sá Rocha, determinou que fosse feita uma blitz no Estado. “Os criminosos hoje agem com a moto e depois fogem”, afirmou.
Fonte: Consultor Jurídico

terça-feira, 27 de março de 2007

Justiça demora 2 anos para decidir sobre furtos de R$ 1

Folha de S. Paulo, hoje:

Bruno Miranda/Folha Imagem
Processos custam, em média, quase 2 mil vezes mais para os cofres do Poder Público do que o valor dos objetos furtados



Levantamento em cinco capitais identificou seis casos de pessoas processadas por furto de R$ 1; quatro foram presas



GILMAR PENTEADODA
REPORTAGEM LOCAL

Por furtos de só R$ 1, brasileiros ainda vão para a cadeia e a Justiça perde tempo e dinheiro. Por R$ 1, processos tramitam por mais de dois anos e custam, em média, quase duas mil vezes mais. Por R$ 1, pessoas ficam presas por até dois meses e custam 30 vezes mais só por um dia na cadeia.

Levantamento em cinco capitais -São Paulo, Recife, Porto Alegre, Belém e Distrito Federal - identificou ao menos seis casos de pessoas processadas pelo furto de objetos no valor de R$ 1. Quatro delas foram presas e passaram ao menos um dia na cadeia.

Dos seis casos, o processo mais rápido até a sentença em primeira instância levou 2 anos e 1 mês. O mais lento tramitou por 4 anos e 7 meses."

Jamais esperava encontrar casos de furto de R$ 1. Pior: com denúncia do Ministério Público e condenação pela Justiça", diz a promotora Fabiana Costa Oliveira Barreto, autora da pesquisa. O estudo subsidiou sua dissertação de mestrado em direito na UnB (Universidade de Brasília).

Se estendermos para furtos (sem uso de violência ou ameaça) para até R$ 8, a pesquisa identificou 26 pessoas processadas -19 foram presas- entre 2000 e 2004. A Folha também achou casos mais recentes.

Se estendermos para furtos (sem uso de violência ou ameaça) para até R$ 8, a pesquisa identificou 26 pessoas processadas -19 foram presas- entre 2000 e 2004. A Folha também achou casos mais recentes.

A promotora analisou amostra de 2.600 casos, entre processos e inquéritos. Descobriu que a prisão provisória é adotada na maioria dos episódios de furto -incluindo todos os valores- e boa parte dos presos fica mais de 100 dias na cadeia sem julgamento, contrariando legislação penal.

Também na maioria dos casos os acusados ficam mais dias em prisão provisória (antes do julgamento) do que o período determinado na sentença final.

São os dados sobre os valores irrisórios dos furtos, porém, que mais impressionam. Das cinco capitais pesquisadas, São Paulo, Recife e Distrito Federal apresentaram pelo menos um caso de furto no valor de R$ 1 que acabou em processo.

Na capital paulista, Márcio Franco foi acusado de furtar uma latinha de cerveja em 2000 (R$ 1). Ficou 57 dias preso. O processo durou dois anos e, no final, a condenação foi extinta -pelo princípio da insignificância, a pena pode não ser aplicada em casos de furtos de valor irrisório.

Franco tinha 25 anos na época. Era viciado em crack. O tempo de prisão não serviu para sua reabilitação. Quando ele saiu, roubou a bolsa de uma mulher. Hoje, ele cumpre pena no interior paulista."

O problema só piora. Após passar por uma prisão, é muito difícil se ressocializar", diz a promotora, que defende mudança na legislação para evitar a prisão nesses casos e abreviar a tramitação do processo.

Nem o papel

"Só de papel e tinta, já vai esse valor", diz a defensora pública em São Paulo Marina Hamud de Andrade.

Não há dados precisos sobre o custo de um processo para os cofres públicos -os gastos são na polícia, Promotoria, Justiça e prisões. Estimativa feito no Diagnóstico do Poder Judiciário, da Secretaria Nacional de Reforma do Judiciário, aponta um custo médio de R$ 1.848,00 por caso na Justiça comum.

Um preso custa, em média, R$ 1.000,00 por mês, segundo o Ministério da Justiça -R$ 33 ao dia. Só o deslocamento de um preso para uma audiência em São Paulo custa R$ 2.500, diz a Secretaria Estadual de Gestão Pública."

O valor furtado não cobre nem o do cartucho para imprimir a sentença", afirma o juiz Marcelo Semer. Em 2006, ele absolveu um jovem que tinha furtado um rolinho de pintura no valor de R$ 1,67. "Em muitas câmaras [da Justiça], se não está escrito na lei, não existe. Só que o direito é maior que a lei."

domingo, 11 de março de 2007

Comissão do STF edita propostas de Súmulas vinculantes

Os enunciados das 8 primeiras súmulas vinculantes já foram editados pela Comissão de Jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, composta pelos ministros Cezar Peluso, Joaquim Barbosa e Marco Aurélio, . Os dispositivos deverão ser analisados agora pelo presidente da comissão, ministro Marco Aurélio, e seguem para apreciação da presidente do Supremo, ministra Ellen Gracie. As medidas devem passar pelo crivo ainda do procurador-geral da República e só entram em vigor depois de aprovadas por pelo menos oito dos onze membros do plenário do STF.

As propostas são as seguintes:*

Súmula 1

FGTS. CORREÇÃO DAS CONTAS VINCULADAS. DESCONSIDERAÇÃO DO ACORDO FIRMADO PELO TRABALHADOR. INADMISSIBILIDADE.

Enunciado: “Ofende a garantia constitucional do ato jurídico perfeito a decisão que, sem ponderar as circunstâncias do caso concreto, desconsiderar a validez e a eficácia de acordo constante do termo de adesão instituído pela LC nº 110/01.”

Precedentes: RE 418.918 Rel. Min. Ellen Gracie, DJ 1.07.2005; RE (AgR-ED) 427.801 Rel. Min. Sepúlveda Pertence, DJ 2.12.2005; RE (AgR) 431.363, Rel. Min. Gilmar Mendes, DJ 16. 12.2005.

Súmula 2

LOTERIAS E BINGO. REGRAS DE EXPLORAÇÃO. SISTEMAS DE CONSÓRCIOS E SORTEIOS. DIREITO PENAL. MATÉRIAS DE COMPETÊNCIA LEGISLATIVA EXCLUSIVA DA UNIÃO.

Enunciado: “É inconstitucional a lei ou ato normativo estadual que disponha sobre loterias e jogos de bingo.”

Precedentes: ADI 2.847/DF, Rel. Min. Carlos Velloso, DJ 26.11.2004; ADI 2.948/MT, Rel. Min. Eros Grau, DJ 13.5.2005; ADI 2.690, Rel. Min. Gilmar Mendes, DJ 16.6.2006; ADI 3.259, Rel. Min. Eros Grau, DJ 24.2.2006; ADI 2.995, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, DJ 21.8.2006.

Súmula 3

COMPETÊNCIA. JUSTIÇA DO TRABALHO. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS E MATERIAIS DECORRENTES DE ACIDENTE DE TRABALHO.

Enunciado: “Compete à Justiça do Trabalho processar e julgar ações de indenização por danos morais e patrimoniais decorrentes de acidente de trabalho propostas por empregado contra empregador ou a previdência, inclusive aquelas nas quais, ao tempo da edição da Emenda Constitucional nº 45/04, ainda não havia sido proferida sentença de mérito em primeiro grau.”

Precedentes: CC 7.204, Rel. Min. Carlos Britto, DJ 9.12.2005; AI 529. 763 (AgR-ED), Rel. Min. Carlos Velloso, DJ 2.12.2005; AI 540.190 (AgR), Rel. Min. Carlos Velloso, DJ 25.11.2005; AC 822 (MC), Rel. Min. Celso de Mello, DJ 20.9.2005.

Súmula 4

PROCESSO ADMINISTRATIVO NO ÂMBITO DO TCU. DEVIDO PROCESSO LEGAL. CONTRADITÓRIO E AMPLA DEFESA DO INTERESSADO. NECESSIDADE DE OBSERVÂNCIA.

Enunciado: “Asseguram-se o contraditório e a ampla defesa ao interessado em processo administrativo perante o Tribunal de Contas da União, de cuja decisão possa resultar anulação ou revogação de ato administrativo que o beneficie.”

Precedentes: MS 24.268, Rel. Min. Ellen Gracie (Gilmar Mendes, p/ acórdão), DJ 17.09.2004; MS 24.927, Rel. Min. Cezar Peluso, DJ 25.8.2006; RE 158.543, Rel. Min. Marco Aurélio, DJ 6.10.1995; RE 329.001 (AgR), Rel. Min. Carlos Velloso, DJ 23.9.2005; AI 524.143 (AgR), Rel. Min. Sepúlveda Pertence, DJ 18.03.2005.

Súmula 5

PROCESSO PENAL. INCONSTITUCIONALIDADE DO ART. 2º da LEI nº 8.072, de 1990. PROGRESSÃO DE REGIME EM CRIME HEDIONDO. CONCESSÃO. REQUISITOS.

Enunciado: “Para efeito de progressão de regime no cumprimento de pena por crime hediondo, ou equiparado, o juízo da execução observará a inconstitucionalidade do art. 2º da Lei nº 8.072, de 25 de julho de 1990, sem prejuízo de avaliar se o condenado preenche, ou não, os requisitos objetivos e subjetivos do benefício, podendo determinar, para tal fim, de modo fundamentado, a realização de exame criminológico.”

Precedentes: HC 82.959-SP, Rel. Min. Marco Aurélio, DJ 1.9.2006; HC (QO) 86.224, Rel. Min. Carlos Britto, DJ 17.3.2006; HC (QO) 85.677, Rel. Min. Gilmar Mendes, DJ 31.3.2006; HC 88.231, Rel. Min. Celso de Mello, DJ 5.5.2006; RHC 86.951, Rel. Min. Ellen Gracie, DJ 24.3.2006.

Súmula 6

TRIBUTO. COFINS. BASE DE CÁLCULO. CONCEITO DE RECEITA BRUTA. INCONSTITUCIONALIDADE DO PARÁGRAFO 1º DA LEI 9.718/98.

Enunciado: “É inconstitucional o parágrafo 1º do art. 3º da Lei nº 9.718/98, que ampliou o conceito de receita bruta, a qual deve ser entendida como a proveniente das vendas de mercadorias e da prestação de serviços de qualquer natureza, ou seja, soma das receitas oriundas do exercício das atividades empresariais.”

Precedentes: RE nº 346.084 Rel. orig. Min. Ilmar Galvão, DJ 01.09.2006; RE nº 357.950, Rel. Min. Marco Aurélio, DJ 15.08.2006; RE nº 358.273, Rel. Min. Marco Aurélio, DJ 15.08.2006; RE nº 390.840, Rel. Min. Marco Aurélio, DJ 15.08.2006.

Súmula 7

TRIBUTO. COFINS. MAJORAÇÃO DA ALÍQUOTA. COMPENSAÇÃO. CONSTITUCIONALIDADE DA LEI nº 9.715/98 e DO ART. 8º DA LEI nº 9.718/98. INÍCIO DE VIGÊNCIA DESTA.

Enunciado: “São constitucionais a Lei nº 9.715/98, bem como o art. 8º, caput e parágrafo 1º, da Lei nº 9.718/98, que só entrou a produzir efeitos a partir de 1º de fevereiro de 1999.”

Precedentes: RE nº 336.134, Rel. Min. Ilmar Galvão, DJ 16.05.2003.

Súmula 8

PROCESSO PENAL. CRIME MATERIAL CONTRA A ORDEM TRIBUTÁRIA. DENÚNCIA ANTES DO LANÇAMENTO DEFINITIVO DO TRIBUTO. INADMISSIBILIDADE.

Enunciado: "Não se tipifica crime material contra a ordem tributária, antes do lançamento definitivo do tributo”.

Precedentes: HC 81.611-DF, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, DJ 13/05/2005; HC 86.120, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, DJ 26/08/2005; HC 83.353, Rel. Min. Marco Aurélio, DJ 16/12/2005; ; HC 85.463, Rel. Min. Carlos Britto, DJ 10/02/2006; HC 85.428, Rel. Min. Gilmar Mendes, DJ 10/06/2005; HC 85.185, Rel. Min. Cezar Peluso, DJ 1º/09/2006.
*Como se tratam de propostas existe a possibilidade de ajustes redacionais nos enunciados.

Com informações da Revista Consultor Jurídico (on line), de 6 de fevereiro de 2007 .

Irmãos e amantes


Concubinos irmãos, com quatro filhos, pedem à Justiça alemã reconhecimento oficial da relação incestuosa

Patrick e Susan com a filha Nancy: tabu ignorado

"Patrick Stuebing, 29 anos, e Susan Karolewski, 23, vivem num pequeno apartamento nos arredores de Leipzig, na antiga Alemanha Oriental, e parecem um casal como qualquer outro. A normalidade é só aparente: Patrick e Susan são irmãos e amantes. Há seis anos vivem como marido e mulher, têm quatro filhos e não fazem segredo do relacionamento incestuoso. "Muita gente desaprova, mas nós não estamos fazendo nada errado", diz Patrick. Na semana passada, o casal anunciou que apresentará um recurso à Suprema Corte da Alemanha para que possa constituir legalmente uma família. Pela lei alemã, o sexo entre irmãos pode ser punido com até três anos de prisão. No Brasil, o casamento entre irmãos é proibido, mas não é crime manterem relações sexuais, desde que sejam maiores de 18 anos." Assinantes de VEJA leiam matéria completa aqui.

sábado, 10 de março de 2007

Poder: o ópio do povo

Por Gildson Gomes dos Santos


É célebre a frase de KARL MARX segundo a qual “a religião é o ópio do povo.” (1) No Brasil, é mesmo trivial aos filósofos de plantão parafrasear MARX para atribuir efeito hipnótico ao “futebol”, “carnaval” ou “samba”. De fato, aqui, muito se ouve dizer que "futebol é o ópio do povo". Carnaval e samba um pouco menos. Mas não deixam de ser invocados como exemplos de entorpecimento da massa popular.

É inviável nos estreitos limites deste artigo qualquer tentativa de delimitação semântica da apontada expressão marxista. Não haveria, aqui, espaço para tal intento. A frase, devido ao seu formato retórico, pode dizer muito ou pouco, a depender de quem a examine. Nela podem ser vislumbradas, no mínimo, duas figuras de linguagem: uma de caráter metonímico (sinédoque) e outra metafórica.

A referência a conteúdos semânticos através de vocábulos que, ordinariamente, designam outras coisas, indica recorrência ao estilo tropológico (ex.: ópio por sentimento, paixão etc.). A substituição do todo pela parte, como o emprego do termo poder por religião(2), induz uma sinédoque. Nesse breve périplo discursivo não se pretende avançar além dessa nuance lingüística. Não mais.

Porém o que, no fundo, importa é lançar uma ligeira reflexão a respeito dessa intrigante máxima brasilíada: "o futebol é o ópio do povo". Acontece que as coisas não parecem ser bem assim. Dizer que futebol, samba ou carnaval entorpecem a massa é simplificar muito a nossa realidade, pois o que de fato encanta, hipnotiza, cega o povo é o poder, do qual a religiosidade, a política, o dinheiro, o conhecimento são parte, meros ícones, expressões não raramente dissimuladas.

O poder, sim, é o autêntico, o original, o determinante ópio do povo. Olhe em torno de si e verás. Que você se cala por temer o poder. Que você silência porque depende, direta ou indiretamente, do poder. Que você reage para defender o seu naco de poder. Que você ataca para também alcançar o poder. Que você tolera, aprova ou consente certas coisas com a esperança de conquistar algum espaço no poder. Há certos indivíduos que imaginam que o poder só é útil quando está sob o seu controle...

A luta pelo poder, quando não pela própria subsistência através dele, torna o debate político irracional. O que importa é estar no poder, com o poder, pelo poder. O poder não é nosso. É meu! Não é instrumento de realização do bem comum. É arma de locupletamento ilícita na mão de salteadores dos cofres públicos. O poder é visto como um fim em si mesmo. O resto são detalhes a serem resolvidos na forma preconizada pelo postulado da conveniência.

Por ser ópio, o poder é mágico, não só do ponto de vista do poviléu, como pensava MARX, mas também dos patrícios (econômica, intelectual, política e religiosamente). Do ápice à base da pirâmide, cada seguimento social com ele se encanta, na proporção de suas experiências emocionais. Algumas pessoas o têm nas mãos e o manipulam ao sabor de suas conveniências. Outras o acham inatingível, e se curvam diante de seus detentores.

Deve-se admitir, no entanto, que a influência do poder é inevitável e se manifesta, principalmente, nas relações intersubjetivas, nas interações sociais. No seu campo de interação o homem sempre estará tentando influenciar os outros no intuito de alcançar os seus objetivos individuais ou coletivos. Cuida-se de um fenômeno social visto com naturalidade. Nas democracias contemporâneas, a luta pela alternância no poder é normal e legítima. O problema só desponta quando se tenta manipular as regras com o jogo em andamento, e aqueles, que são os guardiões da ordem normativa, calam-se, rendem-se, tergiversam; enfim, deixam-se entorpecer pelo poder.

A partir daí argumentos de toda ordem ingressam no discurso político ou judicial com manifesto objetivo de justificar casuísmos e mascarar interesses inconfessáveis. Essa realidade, forçosamente, induz a outra: faz-se necessária a domesticação do poder. A classe dirigente, os governantes não têm o direito de serem vulneráveis ao ópio do poder. Logo, a formação de uma consciência coletiva em torno da idéia de que o poder não é um fim em si mesmo, senão um instrumento indispensável à realização do bem comum, é condição sem a qual os cidadãos jamais terão a certeza de que vale a pena confiar nos juízes e nos políticos.
_________
(1) DESIDÉRIO, Murcho. KARL MARX. Revista Livros, 2000. Disponível em: http://www.criticanarede.com/lds_marx.html.Acesso em 27/01/2006.

(2) Vale anotar que na sua Contribuição à Crítica da Filosofia do Direito de Hegel, Marx se reporta à religião como modo de produção social. Não somente à crença num certo deus. A religião na Idade Média, por exemplo, não era senão a expressão do poder religioso. Com efeito, entre os antigos, em Atenas e Roma, o modo de produção social, que, frise-se, não se confunde com modo de produção de bens materiais, girava em torno da política, na Idade Média imperava a religiosidade, no Mundo Moderno a prevalência dos interesses materiais foi a tônica. Na Era Contemporânea o modo de produção capitalista se destacou. E, hoje, no Mundo globalizado, não há quem ponha em dúvida a primazia da informação perante os outros modos de produção.