sábado, 19 de maio de 2007

"Mania de prender


De 646 projetos de lei, só 20 não endurecem pena

por Priscyla Costa

Dos 646 projetos de lei apresentados nos últimos quatro anos no Congresso Nacional sobre criminalidade, apenas 20 foram no sentido de relaxar algum tipo penal. A conclusão é da pesquisadora Laura Frade, na tese de doutorado O que o Congresso Nacional Brasileiro pensa sobre a Criminalidade.

O objetivo do trabalho foi mostrar como os parlamentares vêem o tema — e a conclusão não é animadora. O período analisado foi de 2003 a 2007, período que registrou, segundo a pesquisadora, “o maior índice de ilegalidades cometidas pelos próprios deputados”.

“Trabalhamos com a hipótese de que o Congresso Nacional, elaborador da lei, não tem consciência do conjunto de imagens envolvidas na discussão da matéria”, explicou a pesquisadora na tese apresentada em março deste ano.

Pela pesquisa, o legislador não está preocupado com os chamados crimes de colarinho branco. Das mais de 640 leis propostas, apenas duas se destinavam a criminalizar este tipo de delito. Há também propostas para incrementar a Lei de Crimes Hediondos, tornando menos agradáveis 18 tipos de crimes.

Laura Frade ainda demonstrou que o Congresso vê o criminoso como alguém “pouco instruído, doente, indigno de confiança, sujo e inferior”. Já os parlamentares são “saudáveis, dignos de confiança, não desordeiros, nem sujos, tão pouco inferiores”.

De acordo com a pesquisadora, o que se pode observar é que “muitos daqueles que criam a lei, se comportam como imunes a ela. O crime acaba sendo percebido como descumprimento da lei, que ocorre apenas ‘lá fora’”.

Existem, ainda, 68 propostas que vão além da legislação penal. Parte delas surgiu com a constatação de que o Código Penal não avançou o suficiente para acompanhar o desenvolvimento tecnológico e a criatividade humana para o crime. As propostas descriminalizam a interrupção da gravidez e legalizam jogos de azar, assuntos muito discutidos na última semana.

Leis de ocasião

Os parlamentares entrevistados para a pesquisa confirmaram a “atuação casuística do Parlamento em relação à criminalidade”. Ou seja, a força de vontade que o Congresso tem para criar leis de ocasião.

“... Falta vontade política... Esse ano, todos falaram de segurança pública”, disse um entrevistado. “Vira prioridade quando acontece um fato fantástico”..., afirmou outro. “O Congresso é muito sensível às aspirações do povo e dança conforme a música. O que acontece ressoa, mas não há temas de prioridade. As conveniências políticas ditam o que será apreciado ou não”, responderam alguns deputados.

“Como disse, o debate é casuístico. Dura um mês e meio. Agora tem uma série de projetos: a semana do temor e do terror. É histórico e descontínuo. Falta profundidade. Funciona como revanche e nada acontece. O sistema está todo errado”, desabafou um dos parlamentares.

A “atuação casuística” do Parlamento é criticada por advogados criminalistas. O discurso é de que fazer leis não resolve o problema da violência. A criminalidade avança porque faltam condições básicas de sobrevivência. É o que o parlamentar entrevistado chama de “sistema todo errado”.

Para a advogada criminalista Flávia Rahal, presidente do Instituto de Defesa do Direito de Defesa, o IDDD, “leis de ocasião colaboram para impunidade, porque são regras criadas às pressas, para responder à opinião pública, geradoras muitas vezes de normas inexeqüíveis. O Direito Penal não avança assim; muito menos o combate à violência”.

“Não abrimos os olhos para as conseqüências das leis de ocasião em longo prazo. Elas trazem problemas sérios para a saúde do sistema, como um todo”, acredita Dora Cavalcanti Cordani, também criminalista.

Já a pesquisadora Laura chamou a ânsia do legislador de recuperar o mundo com leis de “o traço mais profundo da pobreza política”. Segundo ela, “o contrário da pobreza é a cidadania organizada. Mas não há organização pública no trato da violência”.

“Ser pobre — e criminoso — é humilhante. Degrada. Condena. Para mais além do cárcere, leva à exclusão do grupo. Quando todos não têm alguma coisa, não há pobreza, há escassez. A pobreza começa a aparecer apenas quando alguns têm e outros não têm — sobretudo essa relação envolve chefes e minorias ou elaboradores legais e os ‘sem formação, doentes e confiáveis’, conforme definem os criminosos. Assim a pobreza não é miséria pura e simples, ela é aquela imposto, que discrimina, em razão da locupletação da minoria”, concluiu Laura Frade.


Conheça as propostas

Propostas para tornar HEDIONDOS os crimes de:
- Corrupção de menores
- Contra a Administração Pública
- Submissão de menor à prostituição
- Homicídio doloso contra agente público (mais de uma iniciativa)
- Eutanásia e interrupção voluntária da gravidez
- Contratação de serviço clandestino de vigilância
- Contra homossexuais
- Trabalho escravo (mais de uma iniciativa)
- Seqüestro relâmpago
- Tráfico de mulheres
- Uso de menores em delitos
- Falsificação de produtos alimentícios, terapêuticos e medicinais
- Homicídio doloso contra políticos
- Interceptação comunicação telefônica
- Contrabando de armamento
- Aquisição de cargas roubadas
- Formação de quadrilha com vínculo associativo
- Receptação

Pesquisa realizada no Legislativo Federal 52 Legislatura, indexadores crime e criminalidade

Propostas listadas pela pesquisadora para relaxar tipo penal
- Extinção da punibilidade no caso que especifica
- Perdão na execução da pena para caso determinado
- Supressão do artigo que criminaliza o aborto voluntário
- Exclusão do crime de injúria quando resultante de opinião de professor ou ministro religioso
- Descriminalização da cópia de livro didático quando se destinar a fins educacionais
- Extinção da punibilidade quando o réu se casar com a vítima de crime de natureza sexual (2 iniciativas)
- Benefício assistencial a dependentes em alguns casos de crime relativo à assistência familiar
- Redução da pena do réu quando comprovadamente usuário de drogas e em casos de crimes contra ascendente ou descendente
- Descriminalização do uso de rádio freqüência de baixa freqüência independentemente de outorga
- Defesa contra o excesso de exação
- Possibilidade de agente público defender interesse legítimo de parentes (2 iniciativas)
- Criação de Fundo de Auxílio a vítimas e testemunhas de crimes (3 iniciativas)
- Proteção aos colaboradores para o combate ao crime organizado (2 iniciativas)
- Proteção ao menor que abandona organização criminosa
- Assegurando livre acesso aos cães que acompanham deficientes visuais

Propostas /tipificação novos crimes
- Institui pena de caráter perpétuo
- Criminaliza exercício ilegal de profissão ou atividade
- Torna falta disciplinar grave uso de celular pelo preso
- Define como crime transporte rodoviário irregular de passageiros
- Tipifica omissão funcionário laboratório fotográfico tome conhecimento fotos pornográficas menores
- Extravio ou destruição de documento, objeto de investigação de CPI
- Estabelece prisão preventiva para não atendimento a requerimento de CPI
- Tipifica o crime de não comparecimento a CPI
- Determina inelegibilidade de parlamentar que renuncie a mandato para escapar de denúncia
- Prevê o crime de fraude em concurso público (9 iniciativas nesse sentido)
- Tipifica como crime de responsabilidade propaganda irregular pelo poder público
- Define crimes resultantes de discriminação e preconceito (10 iniciativas nesse sentido)
- Tipifica o seqüestro relâmpago ( 7 iniciativas nesse sentido)
- Tipifica o crime de roubo mediante seqüestro
- Define os crimes contra o sistema financeiro nacional
- Define o crime de distribuição clandestina de água canalizada
- Tipifica o crime de cópia de dados bancários
- Tipifica o crime de participação em organização criminosa
- Tipifica o crime de violação de sigilo policial
- Criminaliza a manutenção de informações negativas de consumidor por mais de 5 anos
- Define o crime de veiculação de informações que induzam preconceito, através da internet
- Tipifica como crime a pichação
- Criminaliza o furto de energia e sinais
- Legalização da prática dos jogos de azar e cassinos
- Tipifica a utilização indevida de dados e informações cadastrais alheias
- Criminaliza a violação de mensagens eletrônicas
- Tipifica prevaricação judiciária
- Tipifica como crime a falsificação de cartões de crédito
- Proibição comercialização jogos eletrônicos violentos
- Dispõe sobre os crimes informáticos ( 9 iniciativas nesse sentido)
- Dispõe sobre criação da lei de responsabilidade educacional
- Institui fundo de auxílio para vítimas de arma de fogo
- Tipifica como crime contra a administração pública a prática do dízimo
- Inclui o tipo penal do enriquecimento ilícito
- Exige autorização dos pais para realização de tatuagem
- Institui anistia fiscal sobre repatriamento de recursos mantidos no exterior e não declarados
- Penaliza atividade clandestina de rádio pirata
- Tipifica como homicídio qualificado a prática de crime contra policial em serviço
- Descriminalização da competição entre animais
- Descriminalização da interrupção voluntária da gravidez
- Autoriza modalidades de bingo e cria o Fundo social da Fome
- Tipifica como crime de extorsão a atividade dos “flanelinhas”
- Proíbe integrantes da Administração Pública de receberem presentes
- Estabelece os crimes da venda de produtos com nicotina
- Tipifica o crime de contratação de serviço sexual
- Estabelece responsabilidades nos crimes do colarinho branco
- Torna passíveis de prisão temporária os infratores do crime do colarinho branco
- Permite a inscrição de presidiário como doador vivo de órgãos e prevê redução da pena após a cirurgia
- Criminaliza a ofensa à honra de pessoa morta
- Tipifica como crime importação de pneus usados ou reformados
- Cria o site http://www.violenciazero.gov.br/
- Tipifica como crime o furto de uso
- Tipifica o crime de violência doméstica (2 iniciativas nesse sentido)
- Tipifica o crime de terrorismo
- Tipifica conduta de falsificação de preservativos
- Extingue fórum privilegiado para Deputados e Senadores
- Torna crime de responsabilidade do Presidente a remessa ao CN de MP não relevante ou urgente
- Proíbe a prática do nepotismo
- Tipifica adulteração de combustível para ganhar vantagem
- Dispõe sobre proibição de porte de armas brancas ( 2 iniciativas nesse sentido)
- Dispõe sobre crimes militares hediondos
- Criminaliza a prática de atos religiosos que ludibriem a boa fé
- Estabelece punição para crime de discriminação e preconceito contra povo (2 iniciativas nesse sentido)
- Declaração dos direitos do nascituro"


Revista Consultor Jurídico, 19 de maio de 2007

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