quinta-feira, 16 de novembro de 2006

GLOBALISMO JURÍDICO - RESUMO


Globalismo jurídico: a nova face do direito


Ao meu filho,Henrique Madson, que completa idade nova hoje.

Gildson Gomes dos Santos.
Advogado militante em Ribeira do Pombal (BA).
Bacharel em Direito pela FMU/SP.
Especialista em Direito Público pela UNIFACS/BA.
Consultor jurídico.



RESUMO

A Teoria Global do Direito - TGD (ou globalismo jurídico) tem como pano de fundo a redefinição e estruturação dos componentes do sistema jurídico, a partir do paradigma denominado teoria procedimental do direito, esposado pelo filósofo alemão JÜRGEN HABERMAS, em sua obra Direito e democracia: entre facticidade e validade. Apóia-se também na teoria quântica do direito do notável filósofo brasileiro GOFFREDO TELLES JUNIOR, da Academia do Largo de São Francisco (SP), por sinal, pouco estudado entre nós, bem como na Teoria dos princípios, do jovem jurista HUMBERTO ÁVILA, entre outras sumidades do mundo jurídico brasileiro e internacional.

A nosso ver, as teorias fundadas na tradicional filosofia da consciência são insuficientes para descrever o fenômeno jurídico. Razão pela qual proponho investigá-lo a partir de duas abordagens complementares entre si, que denomino de macrodireito e microdireito, cuja proposta de trabalho além de ser original nos parece produtiva. Ao macrodireito, em virtude de sua natureza holística, reserva-se o estudo da estrutura integral do sistema jurídico, a partir dos dois componentes que formam o seu repertório: as normas e os postulados. Enquanto o microdireito, de índole analítica, voltará sua atenção para a composição elementar dos aludidos componentes, descrevendo suas microestruturas e respectivas implicações lógico-discursivas no interior da ordem jurídica.

Pela primeira vez, no campo do saber jurídico, ousa-se sustentar, metodicamente, que o ordenamento jurídico não se resume a uma questão puramente normativa ou a um mero conjunto de normas. Para demonstrar isso, procuro separar o jurídico do normativo, assinalando que para determinado elemento ter forma jurídica, não tem de ser, necessariamente, uma norma, pois, se nem todas as normas são jurídicas, a condição única de norma não é suficiente para ser jurídica. O jurídico não é, então, atributo exclusivo das normas. O que nos leva a supor que pode ser também de outros elementos que formam o Direito Positivo.

A partir dessa constatação, propõe-se que sejam atribuídos estatutos específicos às espécies normativas (princípios e regras) e aos "postulados normativos", os quais passam a ser denominados de “postulados jurídicos”. Outra contribuição original da nossa proposta é o novo conceito de Direito Positivo, que, para a TGD, define-se: ordenação de normas e postulados jurídicos destinada à realização do bem-comum. Trata-se, de fato, de conceito novo e fascinante, que abre novas perspectivas à investigação do fenômeno jurídico.

Ressalva-se, no entanto, que a TGD não pretende ser definitiva. Sua proposta é eminentemente heurística. Na condição de objeto cultural, está o tempo todo aberta ao aperfeiçoamento, à descoberta de novas possibilidades. Não despreza as premissas do conhecimento jurídico tradicional. Ao contrário, as reconhece para contestá-las e propor soluções mais realistas de cunho pós-metafísico. De modo que o resultado final nos parece promissor.



Juridical globalismo: the new face of the right

ABSTRACT


The Global Theory of the Right - TGD (or juridical globalismo) has as backdrop the redefinition and structuring of the components of the juridical system, starting from the paradigm denominated procedural theory of the right, was defense by the German philosopher JÜRGEN HABERMAS, in it work Between facts and norms. It also leans on in the quantum theory of the right of the notable Brazilian philosopher GOFFREDO TELLES JÚNIOR, of the Academy of the Plaza of San Francisco (SP/BR), for sign, little studied among us, as well as in the Theory of the principles, of the youth jurist HUMBERTO ÁVILA, among other authorities of the Brazilian and international juridical world.

To ours see, the theories founded in the traditional philosophy of the conscience are insufficient to describe the juridical phenomenon. Reason for which I consider to investigate it from two complementary boardings between itself, that I call of macroright and microright, whose proposal of work beyond being original in them seems productive. To the macroright, in virtue of its holistic nature, the study of the integral structure of the juridical system is reserved, starting from the two components that form it repertoire: the norms and the postulates. While the microright, of analytical nature, will come back its attention toward the elementary composition of the component alluded ones, describing its microstructures and respective logical-discursive implications inside the juridical order.

For the first time, in the field of the juridical knowledge, it is dared to support, of methodical form, that the juridical order is not summarized to a purely normative question or a mere set of norms. To demonstrate that, I try to separate the juridical of the normative, marking that for certain element to have juridical form, it doesn't have to be, necessarily, a norm, because, if nor all of the norms are juridical, the only condition of norm is not enough to be juridical. The juridical is not, then, exclusive attribute of the norms. The one that in the group to suppose that can also be of other elements that form the Positive Right.

Starting from that verification, it intends that specific statutes are attributed specific statutes to the normative (principles and rules) species and the "normative postulates", which pass to be denominated of "juridical postulates." Another original contribution of our proposal is the new concept of Positive Right, that, for TGD, it is defined: ordination of norms and juridical postulates destined to the accomplishment of the well-common. It is treated, in fact, of new and fascinating concept, that it opens new perspectives to the investigation of the juridical phenomenon.

It is excepted, however, that TGD doesn't intend to be definitive. It proposal is eminently heuristics. In the condition of the cultural object, it is the whole time open to the improvement, to the discovery of new possibilities. It doesn't despise the premises of the traditional juridical knowledge. To the opposite, it recognizes them to answer them and to propose solutions more stamp powder-metaphysician's realists. In way that the final result in them seems promising.

quarta-feira, 15 de novembro de 2006

Globalismo Jurídico - PARTE III

Finalmente, consoante compromisso assumido com os visitantes deste blog, publicaremos a seguir a III Parte e última do ensaio Globalismo jurídico: a nova face do direito, de autoria do advogado Gildson Gomes dos Santos. A Parte I foi publicada no último dia 13/11/2006, e a Parte II, no dia seguinte, neste mesmo ciberespaço.

Como já antecipamos nas postagens anteriores, o artigo tem como pano de fundo a redefinição e estruturação dos componentes do sistema jurídico, a partir do paradigma filosófico denominado procedimentalismo jurídico, cujo principal fautor é o filósofo alemão JÜRGEN HABERMAS.

Segundo G. Gomes dos Santos, as teorias fundadas na tradicional filosofia da consciência são insuficiêntes para descrever o fenômeno jurídico. Razão pela qual propõe, no seu Globalismo Jurídico (ou teoria global do direito), investigá-lo a partir de dois modelos complementares entre si, que denomina macrodireito e microdireito.

O resultado é surpreendente. Pela via formal, G. Gomes dos Santos consegue estremar as espécies normativas (princípios e regras) dos "postulados normativos", que ele passa denominar de postulados jurídicos, bem como formula um novo conceito de Direito Positivo.

O esboço da teoria global do direito se conclui, portanto, com a publicação deste última parte: "Globalismo Jurídico - III". Vamos a ela, então.




Globalismo jurídico: a nova face do direito (III)


Gildson Gomes dos Santos.
Advogado militante em Ribeira do Pombal (BA).
Bacharel em Direito pela FMU/SP.
Especialista em Direito Público pela UNIFACS/BA.
Consultor jurídico.




O direito não é, porém, uma questão puramente normativista. (45) As normas existem para priorizar finalidades ou dispor sobre expectativas de certos comportamentos. Mas elas mesmas não auto-regulam suas inevitáveis conexões no interior do ordenamento. Além disso, não indicam o modo pelo qual serão interpretadas e aplicadas em face das situações mundanais. Eis que surgem então, para complementar o repertório sistêmico, os componentes que nomeio de postulados jurídicos e que outros preferem identificar como “normas de segundo grau”, “normas estruturantes”, “princípios”, “critérios”, deveres, “metanormas” etc.

No Brasil, HUMBERTO ÁVILA, gaúcho do mais denso estofo intelectual, denomina-os de postulados normativos aplicativos ou deveres estruturantes de aplicação de regras e princípios. (46) Essa aparente instabilidade referencial não é, contudo, relevante, embora seja mais produtivo cientificamente atribuir palavras distintas e exclusivamente apropriadas às idéias formadas distintamente, como já aconselha JAMES MADISON, em seus The federalist papers, do Séc. XVIII. (47) Mas o que efetivamente importa para a Ciência Jurídica é que a estrutura lógica usual dos postulados jurídicos segue estável e sua funcionalidade não se confunde com a das normas.

As espécies normativas são logicamente estruturadas de forma condicional (hipotética), já os postulados jurídicos têm estrutura lógica incondicional (categórica). A função básica destes consiste em prescrever critérios, diretrizes ou modelos racionais para a ordenação do repertório jurídico, enquanto aquelas destinam a tutelar bens e estados de desejos (fins), dispondo contrafactualmente em relação a determinadas situações ou estados de coisas. Para serem imperativos os postulados não necessitam evidentemente incorporar as propriedades das normas. A imperatividade não é qualidade privativa destas. (48) No entanto, para serem jurídicos, os postulados hão de ser autorizantes.

Os postulados jurídicos existem. E existem dentro da ordem jurídica como condições de possibilidade de conhecimento desta. Se estivessem fora do sistema jurídico não poderiam dispor da forma jurídica, porque estaria à margem do código jurídico. São autênticos imperativos sistêmicos autorizantes, que, por também serem categóricos, (49) impõem-se inapelavelmente aos operadores do direito nos ensejos de interpretação/aplicação das normas. Por exemplo, mediante procedimento de motivação das decisões, os postulados jurídicos autorizam os jurisdicionados a exigir das instituições encarregadas de aplicar e executar as normas senso de razoabilidade e proporcionalidade na sua atuação.

É pacífico, atualmente, que os efeitos desproporcionais com a situação de fato ou o estado de coisa, decorrentes de medidas jurisdicionais ou administrativas, autorizam o lesado a acionar o sistema jurídico no sentido de fazer cessá-los ou mitigá-los. Do mesmo modo, escorado no postulado jurídico de razoabilidade, hoje, é plenamente aceitável que o juiz, em situações comunicativas excepcionais, afaste a incidência de um princípio ou duma regra em virtude de imperativos de eqüidade ou de irresistível necessidade de concreção da justiça. Ora, neste passo, pode-se então entrever que a incidência das normas não é absoluta, uma vez que a aplicação destas pode ser abortada episodicamente com a finalidade de atender a valores superiores que orientam a sociedade política. (50)

A constatação de que os postulados jurídicos não são normas e tampouco estão situados num nível metanômico ou superior ao das normas é iniludível. Isso, definitivamente, não quer significar que eles não sejam jurídicos, como já demonstramos. Os postulados não estão nem acima nem abaixo das normas. Estão eles entre estas, operando a função de ordenação do sistema jurídico, tornado seu repertório equilibrado e harmônico. Direito é, de fato, uma estrutura. E a existência de qualquer estrutura está condicionada ao equilíbrio e harmonia dos componentes que formam o seu repertório. Estrutura sem equilíbrio desaba, sem harmonia destrói-se. Em prol dessa calibragem sistêmica (51) é que se admite vez ou outra a não-incidência de normas legais expressas, por exemplo.

Os postulados jurídicos, em virtude de um imperativo originalmente racional, autorizam o juiz a absolver o réu, em cujo favor milite a dúvida (in dubio pro reu) ou, em algumas hipóteses, a pronunciá-lo, também em caso de dúvida (in dubio pro societatis). (52) Na primeira hipótese, privilegia-se o fim almejado pelo princípio de presunção de inocência. E, no segundo, pelo princípio do juízo natural. Os postulados contribuem decisivamente para a solução de antinomias e outros conflitos entre espécies normativas (critério hierárquico, cronológico etc.) e, sob o ângulo pragmático, potencializam o uso performativo da linguagem, conferindo racionalidade, equilíbrio e harmonia ao repertório jurídico (regras da teoria do discurso ou da argumentação, razoabilidade, proporcionalidade, eficiência etc.). (53), (54)

No ambiente jurídico também não se configura novidade alguma as afirmações segundo as quais: 1) o conhecimento da norma pressupõe o do sistema e o entendimento do sistema só é possível com a compreensão das suas normas (postulado da coerência); 2) só é possível conhecer a norma com a análise simultânea do fato, e descrever os fatos com recurso aos textos normativos (postulado da integridade); (55) 3) as normas são partes de um sistema (postulado da unidade), 4) devendo-se a elas emprestar maior eficácia possível (postulado da máxima efetividade); 5) em caso de concorrência entre bens juridicamente tutelados, a preferência por um não pode implicar no sacrifício do outro (postulado da concordância prática); 6) os direitos fundamentais não podem ser excessivamente restringidos (postulado da proibição de excesso). E por aí vai. A doutrina, notadamente a pós-positivista, é prenhe de exemplos. (56)

São situações como essas, sempre mal explicadas ao longo da tradição jurídica, que agora o globalismo jurídico ou teoria global do direito – a mais nova proposta de descrição científica do direito, alinhavada no semi-árido do sertão nordestino do Brasil, tenta lançar luzes, ao tempo em que se submete à douta apreciação da comunidade jurídica, a quem também oferta com muita alegria, com fulcro no procedimentalismo jurídico, o conceito de direito positivo. Direito define-se: ordenação de normas e postulados jurídicos destinada à realização do bem-comum.

_____________
(45) KELSEN, Hans. Teoria pura do direito. Coimbra: Armênio Amado, 1984, 6ª ed.

(46) Cf. ÁVILA, Humberto. Teoria dos princípios: da definição à aplicação dos princípios jurídicos. São Paulo: Malheiros, 2003, 1ª ed., págs.79 e ss.

(47) MADISON, James. Os artigos federalistas. Rio de Janeiro: Nova fronteira, 1993, p. 268.

(48) KELSEN, Hans. Teoria geral do direito e do Estado. São Paulo: Martin Fontes, 2005, 4ª ed., p. 45.

(49) KANT, Immanuel. Crítica da razão prática. São Paulo: Martin Fontes, 2002.

(50) Cf. ÁVILA, Humberto. Op. cit., p., 2ª ed. p. 95/98.

(51) FERRAZ JÚNIOR, Tercio Sampaio. Teoria da norma jurídica: ensaio de pragmática da comunicação normativa. Rio de janeiro: Forense, 2000, 4ª ed.; Relativamente ao conceito e à forma das estruturas, cf. TELLES JUNIOR, Goffredo. O direito Quântico: ensaio sobre o fundamento da ordem jurídica. São Paulo: Max Limonad, 1985, 6ª ed.

(52) Nos processos de competência do Tribunal do Júri, na fase de formação da culpa, a dúvida geralmente milita em desfavor do réu.

(53) FERRAZ JÚNIOR, Tercio Sampaio. Introdução ao estudo do direito: técnica, decisão, dominação. São Paulo: Atlas, 2003, 4ª ed; Idem. Direito retórica e comunicação. São Paulo: Saraiva, 1997, 2ª ed; SEMAMA, Paolo. Linguagem e poder. Brasília: Editora UnB, 1981.

(54) ALEXY, Robert. Teoria da argumentação jurídica: a teoria do discurso racional como teoria de justificação jurídica. São Paulo: Landy, 2001; ÁVILA, Humberto. Sistema constitucional tributário. São Paulo: Saraiva, 2004, 1ª ed.; HABERMAS, Jürgen. Pensamento pós-metafísico: estudos filosóficos. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 2002, 2ª ed.

(55) ÁVILA, Humberto. A distinção entre princípios e regras e a redefinição do dever de proporcionalidade. Revista Diálogo Jurídico, Salvador, CAJ, de Atualização Jurídica, v. I, nº. 4, julho, 2001. Disponível em: . Acesso em: 14 de novembro de 2006.

(56) COELHO, Inocêncio Mártires. Repensando a interpretação constitucional. Revista Diálogo Jurídico, Salvador, CAJ, de Atualização Jurídica, v. I, nº. 5, agosto, 2001. Disponível em: . Acesso em: 13 de novembro de 2006; Cf. MODESTO, Paulo. Controle jurídico do comportamento ético da Administração Pública no Brasil. RDA nº 209, pp. 77 e ss., Rio de Janeiro, Renovar, 1997.

Referência Bibliográfica deste Artigo (ABNT: NBR-6023/2000):
SANTOS, G. Gomes do. Globalismo jurídico: a nova face do direito (III). Blog do Gomes, Ribeira do Pombal, novembro, 2006. Disponível em: <http://globalismojuridico.blogspot.com>. Acesso em: xx de xxxxxxxx de xxxx (substituir x por dados da data de acesso ao site).

terça-feira, 14 de novembro de 2006

Globalismo Jurídico - PARTE II

Hoje, conforme compromisso assumido com os visitantes deste blog, publicaremos a seguir a II Parte do ensaio Globalismo jurídico: a nova face do direito, de autoria do advogado Gildson Gomes dos Santos. A Parte I foi publicada no último dia 13/11/2006, neste mesmo ciberespaço.

O trabalho tem como principal objetivo redefinir e estruturar os elementos do sistema jurídico, a partir do paradigma filosófico denominado procedimentalismo jurídico, cujo principal fautor é o filósofo alemão JÜRGEN HABERMAS.

Segundo G. Gomes dos Santos, as teorias fundadas na tradicional filosofia da consciência são insuficientes para descrever o fenômeno jurídico. Razão pela qual propõe, no seu Globalismo Jurídico (ou teoria global do direito), investigá-lo a partir de dois modelos complementares entre si denominados macrodireito e microdireito.

O resultado é surpreendente. Pela via formal, G. Gomes dos Santos consegue separar as espécies normativas (princípios e regras) dos tradicionais "postulados normativos", que ele passa denominar de postulados jurídicos, bem como formula um novo conceito de Direito Positivo.

O esboço da teoria global do direito será publicado por este blog em 3 partes: "Globalismo Jurídico - I, II e III. Segue, então, a II.



Globalismo jurídico: a nova face do direito (II)




Gildson Gomes dos Santos.
Advogado militante em Ribeira do Pombal (BA).
Bacharel em Direito pela FMU/SP.
Especialista em Direito Público pela UNIFACS/BA.
Consultor jurídico.


No fundo, o que conta decisivamente para a composição do direito positivo são os conceitos de norma e de postulado jurídico, e não os de valor, fato, linguagem, fim etc., ainda que estas noções influenciem na formação daqueles. Pois é certo que tais elementos, ao migrarem para o ordenamento jurídico, convolam-se automaticamente para a forma jurídica. É o que de ordinário acontece com as razões políticas, morais, econômicas, religiosas, sociológicas, as quais, quando ingressam na ordem jurídica pela via legislativa ou consuetudinária, convertem-se no código jurídico e tornam-se razões estritamente jurídicas. (25)

Fenômeno muito semelhante ocorre com as estruturas dos ingredientes do saboroso bolo da vovó. O açúcar, o fermento, a farinha de trigo, os ovos, todos proveitosamente misturados e submetidos a uma temperatura adequada, transformam-se numa única estrutura: a do bolo, que, ao ser servido, o é na condição de bolo, e não de porções de açúcar, fermento, farinha de trigo, ovos, misturadas e levadas ao forno quente durante um certo lapso temporal.

O direito certamente surgiu no momento em que o homem decidiu viver em comunidade, relacionando-se intersubjetivamente com outros seres humanos. O que se dera nas mais remotas civilizações. Há milênios, portanto. De lá pra cá, em virtude das mais variegadas formas de vida civilizacionais, o modo de sua produção (26) foi submetido a radicais transformações. Contudo sua microestrutura permaneceu praticamente intocada até pouco tempo. É quase certo que só a partir do segundo quarto do Séc. XX o direito começou a experimentar avanços teóricos significativos com a consagração de escolas do naipe do positivismo jurídico. Ainda assim, até o final dos anos 90, o direito positivo era definido como um mero conjunto de regras de conduta.

Apenas en passant falava-se em princípios gerais do direito. Não além da sua pobre condição de pautas axiomáticas destinadas a suprir eventuais lacunas do até então denominado sistema normativo. Os princípios simplesmente não eram levados a sério porque, para alguns, transcendiam as balizas do ordenamento jurídico e, para outros, nem ao menos o integravam. Para o nosso gáudio, a normatividade dos princípios jurídicos cuida-se de uma conquista muito recente do pensamento pós-positivista, que vem sendo consolidado a partir da última década do II Milênio. Hoje, já no princípio do segundo qüinqüênio do Séc. XXI, definitivamente, os princípios jurídicos, como também os princípios gerais do direito, são reconhecidos como espécies normativas. (27)

Com o reconhecimento doutrinário da normatividade dos princípios, o conceito de direito positivo - como conjunto de "regras" emanadas do Estado, vem sendo paulatinamente abondonado pela Ciência Jurídica, uma vez que às regras juntam-se também os princípios jurídicos em geral. O direito positivo passou a ser caracterizado então como um conjunto de "normas", cujas espécies são as regras e os princípios. Destaque-se, por oportuno, que, por serem normas, tanto os princípios jurídicos quanto as regras são redutíveis à mesma estrutura lógica, independentemente da forma ou da construção gramatical dos enunciados/dispositivos. É o que nos faz enxergar o insigne jurista pernambucano LOURIVAL VILANOVA:
O revestimento verbal das normas jurídicas positivas não obedece a uma forma padrão. Vertem-se nas peculiaridades de cada idioma e em estruturas gramaticais variadas. Geralmente, usam o indicativo-presente ou indicativo-futuro, modo verbal esse que oculta o verbo propriamente deôntico. O dever-ser transparece no verbo ser acompanhado de adjetivo participial: “está obrigado”, “está facultado ou permitido”, “está proibido” (...). Transparece, mas não aparece com evidência formal. É preciso reduzir as múltiplas modalidades verbais à estrutura formalizada da linguagem lógica para se obter a fórmula “se se dá um fato F qualquer, então o sujeito S`, deve fazer ou deve omitir ou pode fazer ou omitir conduta C ante outro sujeito S``, que representa o primeiro membro da proposição jurídica completa.

Como se vê, no interior desta fórmula, destacamos a hipótese e a tese (ou pressuposto e a conseqüência). A estrutura interna desse primeiro membro da proposição jurídica articula-se em forma lógica de implicação: a hipótese implica a tese ou o antecedente (em sentido formal) implica o conseqüente. A hipótese é o descritor de possível situação fática do mundo (...), cuja ocorrência na realidade se verifica o descrito na hipótese. (...). (28), (29)
Para a concepção pós-metafísica do direito, a distinção das espécies normativas nem sempre é possível in abstractu tendo em vista a bivalência presente em algumas normas. Existem normas que ora operam como princípio, ora como regra ou vice-versa, a depender do caso concreto. Por esse motivo, uma norma que sintática e semanticamente tenha roupagem verbal de regra, a depender do contexto, pode funcionar como um princípio. A dificuldade torna-se mais patente quando se considera que nem sempre as normas apresentam-se alojadas em dispositivos. Por outro lado, já é sabido que um enunciado pode veicular mais de uma norma em seu bojo. (30)

De modo geral, as normas dividem-se em dois grupos: umas se referem às ações que podem ser exigidas, e outras às ações proibidas. (31) Aquelas orientam o ser humano para a prática de condutas preestabelecidas, cuja inobservância tende a frustrar o fim em virtude do qual o preceito encontra-se positivado. Estas serão violadas sempre que o comportamento humano proibido ou a expectativa de conduta aperfeiçoe-se no mundo da vida. Não obstante, repita-se, só no momento da interpretação/aplicação (32) do direito é que a especificidade da norma avulta-se com maior nitidez.

A propósito, até mesmo como forma de realçar a importância científica do microdireito, convém esclarecer, de logo, que a distinção das espécies normativas não é tão inútil como aparenta. A qualificação de uma norma como regra ou como princípio influiu direta e imediatamente no modo de sua aplicação. Por exemplo, o aplicador que desejar afastar a incidência de uma regra sobre determinada situação juridicamente relevante fica sujeito a um ônus maior de argumentação do que se fora em relação ao afastamento da aplicação de um princípio, uma vez que aquela é tida como uma decisão abarcante (completa), ao passo que este tem, por definição, caráter suplementar (incompleto), permitindo, portanto, ao intérprete/aplicador certa margem de manobra. (33)

Igualmente, ressalvando-se o que até aqui foi afirmado, não configura impropriedade dizer-se que as regras estabelecem expectativas de condutas destinadas à preservação dos bens tutelados pela ordem jurídica (as regras proíbem lesão aos bens jurídicos), e os princípios jurídicos obrigam a prática de condutas no sentido de aperfeiçoá-los ou promovê-los (os princípios exigem a prática de comportamentos necessários ao aperfeiçoamento ou promoção dos bens jurídicos).

Em nível preliminar, é possível conceituar princípio jurídico como norma imediatamente finalística com pretensão de complementaridade, na medida em que, preliminarmente, estipula fins em função dos quais é exigida, parcial e complementarmente, a prática de ações relevantes à realização do estado de coisas que ele exprime; e regra como norma imediatamente descritiva de ações exigidas ou proibidas, com pretensão de decidibilidade e abrangência, porque, preliminarmente, descreve pressuposto (hipótese) abarcante dos aspectos relevantes à verificação da conseqüência (tese) inerente a sua finalidade. (34)

De qualquer sorte, convém assinalar que toda norma é uma decisão, que, por definição, configura um juízo definitivo sobre algo. (35) O que distingue a norma jurídica das demais decisões em geral é o seu atributo autorizador, a propriedade que efetivamente a torna jurídica. No plano ético, somente a norma jurídica exprime-se como um juízo final autorizante. Toda norma jurídica é uma decisão a ser cumprida, observada. Quando desafiada, autoriza o titular do direito subjetivo a lançar mão de meios idôneos e necessários à cessação da ameaça ou reparação da lesão aos bens juridicamente tutelados e, por via de conseqüência, ao restabelecimento de sua autoridade.

Do ponto de vista jurídico, somente decide quem detém capacidade ou poder para fazê-lo. Sendo a decisão emanada de fonte reconhecida pelo direito nada se pode fazer senão acatá-la, porque de sua inobservância resulta, automaticamente, uma autorização para que o titular do direito (ou aquele a quem o sistema confira legitimidade) acione os mecanismos jurídicos aptos no sentido de restabelecer a ordem jurídica e satisfazer sua pretensão. Por essa razão, entendo que na noção de decisão autorizante, no qual também se encontra implícita a de autoridade, também reside a imperatividade normativa.
Tanto as regras como os princípios jurídicos, independentemente da forma enunciativa com a qual se exprimem, são, portanto, decisões autorizantes. A propósito do tema, é sempre oportuno abrir espaço às sensatas ponderações do filósofo alemão JÜRGEN HABERMAS:
Por depender da política, o direito possuiu um aspecto instrumental, diferindo das normas morais, que constituem sempre um fim em si mesmas, as normas jurídicas servem também como meio para fins políticos. Elas não existem apenas para solucionar, de modo imparcial, conflitos de ação, como é o caso da moral, mas também para a efetivação de programas políticos. O caráter obrigatório dos objetivos coletivos e das medidas de implementação da política derivam da forma jurídica. O direito situa-se entre a política e a moral: Dworkin demonstra que o discurso jurídico trabalha, não somente com argumentos políticos que visam ao estabelecimento de objetivos, mas também com argumentos de fundamentação moral. (36)
Prossegue o nosso filósofo:

Antes de assumir funções próprias, o direito e o poder político têm funções mútuas a preencher, ou seja, o direito tem que estabilizar expectativas de comportamento, e o poder político, decisões coletivamente impositivas. Deste modo, o direito empresta ao poder, do qual obtém seu caráter obrigatório, a forma jurídica da qual ele obtém, por seu turno, o caráter impositivo e vice-versa. Cada um desses dois códigos requer uma perspectiva própria – o direito, uma perspectiva normativa, e o poder, uma instrumental. Na perspectiva do direito, as políticas, as leis e as medidas necessitam de fundamentação normativa; ao passo que, na perspectiva do poder, elas funcionam como meios e limitações para a reprodução do poder. Na perspectiva da legislação e da justiça, o direito é tratado de modo normativo; e na perspectiva da manutenção do poder, ele é tratado de modo instrumental. (37)


A bem da verdade, como anota o insuspeito NORBERTO BOBBIO, em função da complexidade de sua estrutura, ao Direito é sempre possível atribuir um ou outro caracterísco apontado anteriormente. São eles mais integrativos do que exclusivos, sendo estéril toda disputa sobre a superioridade de um ou de outro critério distintivo. Em se tratando de dar uma definição de norma jurídica, e não mais de descobrir a essência do direito, cada um dos critérios não deve ser valorado como verdadeiro ou falso, mas como mais oportuno ou menos oportuno, segundo o contexto dos problemas em que nos encontramos ao dar aquela definição, e as finalidades a que nos propomos. (38)

Com base na lição bobbiana, ouso propor uma reformulação no conceito de norma cunhado por GOFFREDO TELLES JUNIOR e assaz difundido por sua ex-aluna MARIA HELENA DINIZ. (39) Segundo o prof. GOFFREDO, norma define-se: “imperativo autorizante”. (40) O reconhecimento da importância deste conceito nos quadrantes da Ciência Jurídica impõe-se, por tornar o labor do jurista menos tormentoso durante o momento investigativo. Não obstante, entendo que é possível aperfeiçoá-lo, mesmo a despeito da genialidade de seu autor.

É fato que a norma é um imperativo, um comando, como parte de uma ordenação estabelecida de acordo com o sistema vigente de idéias norteadoras. E é autorizante porque autoriza o lesado a exigir o restabelecimento da ordem violada pelos meios assegurados no próprio ordenamento. (41) Quanto a isso não restam dúvidas. A incerteza surge, porém, no tocante aos fundamentos da imperatividade e do autorizamento, os quais, a nosso ver, não residem na simples idéia de ordenação normativa, mas sim no conceito de decisão, que a precede.

Com efeito, antes de tornar-se mandamento e de integrar-se numa ordenação estabelecida em conformidade com o sistema axiológico de referência (42) do grupo social a norma é uma “decisão”. E, pelo fato de passar a compor uma ordenação normativa, não se priva dessa qualidade. Na verdade, a norma não seria um imperativo autorizante se também não fora uma decisão. Imperatividade e autorizamento são meros corolários da qualidade resolutória da norma, embora não sejam propriedades exclusivas desta. A noção de imperativo parece mais afinada com a idéia de postulado jurídico, como veremos mais adiante.

É vã e configura-se ingênua utopia epistemológica tanto a tentativa de "psicologizar" a norma como a de isolar o direito de outros sistemas, como o poder e a moral, sob o pretexto de lhe emprestar dignidade científica. Esse tipo de visão na verdade não passa de mais uma miopia de cunho positivista. O fato de o direito, a política e a moral serem sistemas alopoiéticos (abertos) e com muitos pontos de contato entre si não lhes subtrai a identidade de cada qual, pelo simples fato de disporem de códigos diferenciados.

A idéia de que as decisões existem para serem observadas, praticadas, respeitadas é mesmo intuitiva. É induvidoso que as interações humanas são orientadas deonticamente por decisões dimanadas da coletividade, representada por suas instituições, ou das relações travadas entre pessoas nas esferas pública e/ou privada. A forma como essas decisões são concretizadas e circulam no meio social não lhes desfigura a natureza. São decisões tanto as expressões do direito em forma de lei e contratos escritos, como as adotadas pela via dos usos e costumes, expressas ou tácitas. Na forma do código jurídico diferenciado, o poder político ou as pessoas decidem e o poder administrativo ou as próprias pessoas diretamente ficam autorizados a rechaçar condutas incompatíveis com a incolumidade dos bens tutelados pela ordem jurídica ou a exigir a prática de comportamentos necessários à promoção dos fins almejados por esta.

Até mesmo o senso comum se rende à conclusão de que norma é decisão autorizante. Ora, as decisões autorizantes, ou melhor, as normas existem para viabilizar a proteção aos bens que compõem o sistema axiológico de referência da sociedade política, estabelecendo expectativas de condutas contrafactuais, ou para promover os fins que a movem, exigindo a prática de comportamentos necessários ao aperfeiçoamento da ordem jurídica.

Do ponto de vista da teoria global do direito ou globalismo jurídico, para configurar-se norma não é suficiente que o ato decisório seja apenas um “ato de vontade” ou, como pretende HANS KELSEN, (43) “o sentido de um ato de vontade”. Entendo que a norma deve ser o resultado de um juízo definitivo a respeito de uma dada situação ou estado de coisas relevantes para o bem-comum. (44) Somente as decisões autorizadoras tomadas em função da idéia que move a sociedade política são dignas de serem qualificadas como norma, cujo gênero, vale repetir, subdivide-se nas espécies: regras e princípios jurídicos. (...).

(Prossegue na III PARTE, em breve)

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(25) HABERMAS, Jürgen. Direito e democracia: entre facticidade e validade. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 2003, 2ª ed, vol. 1, p. 256-7.

(26) GRAU, Eros Roberto. O direito posto e o direito pressuposto. São Paulo: Malheiros, 2002, 4ª ed.; 2003, 5ª ed.

(27) BONAVIDES, Paulo. Curso de direito constitucional. São Paulo: Malheiros, 2001, 11ª ed., p. 265; GRAU, Eros Roberto. A ordem econômica na constituição de 1988. São Paulo: Malheiros, 1997, 3ª ed.

(28) VILANOVA, Lourival. As estruturas lógicas e o sistema do direito positivo. São Paulo: Max Limonad, 1997, pp. 96/7.

(29) Cf. ÁVILA, Humberto. Teoria dos princípios: da definição à aplicação dos princípios jurídicos. São Paulo: Malheiros, 2003, 2ª ed., pp. 60-70; REALE, Miguel. Lições preliminares de direito. São Paulo: Saraiva, 1990, 17ª ed.; VILANOVA, Lourival. Lógica jurídica. São Paulo: Bushatsky, 1976, pp. 113-114.

(30) Cf. ÁVILA, Humberto.
Op. cit.

(31) TELLES JUNIOR, Goffredo. O direito Quântico: ensaio sobre o fundamento da ordem jurídica. São Paulo: Max Limonad, 1985, 6ª ed., pp. 345-6.

(32) GRAU, Eros Roberto. Ensaio e discurso sobre a interpretação /aplicação do direito. São Paulo: Malheiros, 2002. 197/8 pp.; 2003, 2ª ed.

(33) Cf. ÁVILA, Humberto. Op. cit. 2005, 3ª ed.

(34) Cf. ÁVILA, Humberto. Op. cit.; BARCELLOS, Ana Paulo de. Alguns parâmetros normativos para a ponderação constitucional, in BARROSO, Luís Roberto. A nova interpretação constitucional. Rio de Janeiro: Renovar, 2003, p. 49/118; DWORKIN, Ronald. Levando os direitos a sério. São Paulo: Martins Fontes, 2002; VILANOVA, Lourival. Op. cit.

(35) Cf. o verbete “decidir”, in HOUAISS, Antônio. Dicionário eletrônico Houaiss. São Paulo: Editora Objetiva, 2001, versão 1.0.

(36) HABERMAS, Jürgen. Op. cit., vol. II, p. 218.

(37) Idem, p. 269

(38) BOBBIO, Norberto. Teoria da norma jurídica. São Paulo: Edipro, 2001, 1ª ed., 152.

(39) DINIZ, Maria Helena. Conceito de norma jurídica como problema de essência. São Paulo: Saraiva, 2003, 4ª ed.

(40) TELLES JUNIOR, Goffredo. Op. cit., p. 352.

(41) Idem, pp. 347.

(42) Ibidem, pp. 291.

(43) KELSEN, Hans. Teoria geral das normas. Porto Alegre: Fabris, 1986.

(44) Acolhemos neste trabalho, sem restrição, o brilhante conceito de bem-comum goffrediano. Cf. TELLES JUNIOR, Goffredo. O povo e o poder: o conselho do planejamento nacional. São Paulo: Malheiros, 2003, pp. 30/33.

Referência Bibliográfica deste Artigo (ABNT: NBR-6023/2000):

SANTOS, G. Gomes do. Globalismo jurídico: a nova face do direito (II). Blog do Gomes, Ribeira do Pombal, novembro, 2006. Disponível em: http://globalismojuridico.blogspot.com. Acesso em: xx de xxxxxxxx de xxxx (substituir x por dados da data de acesso ao site).

segunda-feira, 13 de novembro de 2006

Globalismo Jurídico - PARTE I

A partir de hoje este blog trará à lume o ensaio "Globalismo jurídico: a nova face do direito", de autoria do advogado Gildson Gomes dos Santos.
O trabalho tem como principal objetivo redefinir e estruturar os elementos do sistema jurídico, a partir do paradigma filosófico denominado procedimentalismo jurídico, cujo principal fautor é o filósofo alemão JÜRGEN HABERMAS.
Segundo G. Gomes dos Santos, as teorias fundadas na tradicional filosofia da consciência são insuficientes para descrever o fenômeno jurídico. Razão pela qual propõe, no seu Globalismo Jurídico (ou teoria global do direito), investigá-lo a partir de dois modelos complementares denominados macrodireito e microdireito.
O resultado é surpreendente. Pela via formal, G. Gomes dos Santos consegue separar as espécies normativas (princípios e regras) dos tradicionais "postulados normativos", que ele passa denominar de postulados jurídicos, bem como formula um novo conceito de Direito Positivo.
O esboço da Teoria Global do Direito será publicado por este blog em 3 partes: "Globalismo Jurídico - I, II e III. Segue, então, a I.



Globalismo jurídico: a nova face do direito (I)


Gildson Gomes dos Santos.
Advogado militante em Ribeira do Pombal (BA).
Bacharel em Direito pela FMU/SP.
Especialista em Direito Público pela UNIFACS/BA
Consultor jurídico.



Chego ao segundo lustro do III Milênio com as esperanças renovadas. Depois de quase duas décadas debruçado sobre as letras jurídicas finalmente concluo que 1) a efetividade do direito é diretamente proporcional ao grau de eficiência da autoridade que o executa, como também que 2) a ordem jurídica é plenamente descritível, o que lhe confere, em definitivo, status de objeto científico. Essas questões, por serem mal solucionadas ao longo dos tempos, sempre ficaram em suspenso no âmbito da epistemologia jurídica.

A formulação do conceito de direito, como de qualquer outra ciência, depende do modelo filosófico ou epistemológico adotado como ponto de partida. O labor científico daquele que aborda o fenômeno jurídico a partir de um ângulo essencialista (ontológico) decerto não culminará numa definição semelhante à de quem investiga o direito pela via procedimentalista (formal). A essa afirmação poder-se-ia opor a objeção segundo a qual é exeqüível chegar-se a um mesmo ponto por caminhos diferentes. Contudo, tal ilação só faria sentido se o ponto de chegada pelo caminho essencialista fosse alcançável. Já no Séc. XVIII fomos informados por KANT de que a essência do ser é inatingível. (1) Essa inferência, até hoje inabalável, tem forçado o gênio humano a construir outras soluções destinadas à explicação científica dos fenômenos sociais, notadamente do direito.

O fenômeno jurídico é multifacetado. Talvez em função dessa característica tenha se tornado objeto de teorias as mais díspares possíveis. Certas abordagens adotam enfoques flagrantemente exclusivistas e unilaterais; outras já procuram envolver suas múltiplas faces pela via integrativa, mas a partir de métodos inadequados. Por exemplo, há quem veja no direito certa dose de artificialismo (globalismo), (2) mas há quem sustente sua naturaleza (quantismo). (3) Direito é também emoção (globalismo), (4) mas há quem nele destaque somente sua face racionalista (jusnaturalismo). (5) É alógico (analitismo), (6) mas há quem o queira lógico (positivismo). (7) É, também, finalístico (pós-positivismo), (8) porém não falta quem sustente sua pureza (normativismo) (9) É contrafactual (globalismo), (10) mas há quem o vislumbre factual e axiológico (culturalismo). (11) É, final e principalmente, comunicação (pragmatismo), (12) mas tem sido descrito pela doutrina tradicional como um dado que repousa num código lingüístico (egologismo). (13)

Esse catálogo não é, por óbvio, numerus clausus, isto é, não esgota todas as teorias sobre o fenômeno jurídico. É apenas exemplificativo. Certamente existem várias outras escolas ou correntes doutrinárias que poderiam ser invocadas em favor do argumento supra, a exemplo do realismo, (14) do pragmatismo norte-americano. (15) No entanto o que realmente importa neste passo é por em relevo a complexidade do direito, enquanto objeto de investigação científica, a fim de pontuar em relação a si a insuficiência de abordagens de perfil ontognosiológico, analítico, lógico ou meramente estrutural.


Não faltam estudos a sustentarem que o enfoque ontológico peca, sobretudo, por fazer tabula rasa da nuance lingüística do fenômeno jurídico. De outra parte, os enfoques analíticos, lógicos ou estruturais, conquanto investiguem o direito positivo a partir da linguagem, desprezam o aspecto pragmático desta, mantendo suas descrições apenas nos patamares sintático e semântico do discurso. No atual estádio do conhecimento, todas as teorias jurídicas até aqui desenvolvidas, sem dúvida, representam interessantes esforços que marcaram a evolução da Ciência Jurídica. Contudo é necessário que avancemos um pouco mais em busca de uma grade epistemológica com capacidade de envolver o direito em toda sua multidimensionalidade.

Cumpre esclarecer que abarcar o direito em todas as suas dimensões não significa aqui adotar como parâmetro de abordagem o modelo essencialista do saudoso jurista paulista MIGUEL REALE, que, pela via de um artifício lógico por ele próprio batizado de dialética da complementaridade, tenta ligar três supostas dimensões do fenômeno jurídico: norma-fato-valor, culminando na consagrada teoria tridimensional do direito, (16) variante do denominado culturalismo jurídico, a qual, a meu ver, cuida-se de episteme absolutamente improdutiva, na medida em que transcende as fronteiras do sistema jurídico.

Ora, fato e valor, ao menos sob o prisma científico, são objetos estranhos ao direito, o primeiro é estudado pela Sociologia e o segundo pela Axiologia. A propósito, se fora para levar a sério o apontado deslize metodológico realeano, a mim cumpriria sustentar que o direito está mais para contrafactum do que para factum. Forçoso é admitir-se que as idéias, principalmente quando já se encontram cristalizadas na consciência da comunidade, tendem sempre a resistir, ainda que, manifestamente, apresentem-se superadas.

Atualmente vivenciamos uma espécie de era pós-metafísica do pensamento, que prefiro denominar de Era Global, mas não falta quem procure se agasalhar no conforto da tradição ontológica, alguns por convicção ou dificuldade de evoluir conceptualmente, é certo, outros por preguiça de reflexionar. A resistência ao novo, como forma de maturação do processo de transição das idéias, até que não deixa de ser positiva, todavia não pode servir de álibi para justificar vetustos equívocos ou retrocessos no campo do saber jurídico.

Entendo que modelos de índole unilateral ou exclusivista, e mesmo aquelas correntes culturo-integralistas de viés metafísico ou essencialista são redutores do fenômeno jurídico. Insuficientes, portanto, para descrevê-lo metodicamente. De modo que paradigmas que se atêm a descrever os elementos do sistema jurídico nos níveis morfológico (estrutural), sintático (lógico) ou semântico (conteúdo) ou, conjuntamente, até este último nível encontram-se superados pela teoria procedimental do direito também denominada de pragmático-discursiva formal, edificada sobre um pano de fundo semiótico da linguagem. (17)

A procura obsessiva do homem pelo fundamento das coisas não tem data para findar. Talvez seja até mesmo um movimento eterno. Como observa HUMBERTO ECO, e KANT, por sinal, já o fizera muito antes dele, a referência ontológica forte (material) é inatingível, mas ela opera para o ser humano como um horizonte a ser atingido. Sempre vai haver alguém tentando alcançá-lo, procurando descobrir a essência do ser. (18)


A teoria procedimental do direito não se ocupa com essa questão filosófica. Para o procedimentalismo jurídico, que procura descrever a realidade tomando a linguagem ordinária como mediadora, o importante não é saber o que é o direito, mas tão-somente como ele se apresenta e opera no mundo da vida. Sob o prisma do pensamento pós-metafísico, o coeficiente ontognosiológico tolerável do direito, necessariamente, encerra-se nos lindes de uma referência ontológica fraca (formal) edificada basicamente a partir do Lebenswelt (19) de EDMUND HUSSERL ou das formas de vida de LUDWIG WITTGENSTEIN (II). (20)


Pela via pragmático-discursiva formal, o direito positivo apresenta-se no mundo da vida como um subsistema ético destinado ao controle de interações humanas, que se manifestam em forma de ações lingüísticas e não-lingüísticas. Com efeito, é um equívoco supor que o direito controla ações humanas. Não é função do direito controlar quem quer que seja. A ordem jurídica apenas autoriza o controle de determinados comportamentos. Mas quem o exerce são as autoridades competentes para executar a lei. É o que demonstrarei mais adiante.


Embora o direito-objeto seja uno (21) o seu estudo sistemático comporta, no mínimo, dois níveis de abordagens complementares entre si. Diante disso, por imperiosa necessidade metodológica, proponho que o fenômeno jurídico seja investigado holística e analiticamente nas formas de um macrodireito, que espelha a estrutura global da ordem jurídica com suas conexões ou entrelaçamentos, e de um microdireito, que desce à gênese do ordenamento jurídico para investigar a estrutura e concatenação dos componentes de seu repertório.

De fato, o macrodireito se ocupa com a estrutura integral do sistema jurídico, a partir dos dois componentes que formam o seu repertório: as normas e os postulados (estes enquanto condições de possibilidade de conhecimento, no sentido kantiano do termo), (22) ambos formalmente jurídicos. Por essa razão, como bem requer a clareza científica, (23) convém que se evite rotular o ordenamento jurídico de "sistema normativo", já que as normas não são os únicos elementos de sua estrutura. Por seu turno, o microdireito volta-se para a composição elementar das normas e dos postulados jurídicos, descrevendo suas microestruturas e respectivas implicações lógico-discursivas no interior do sistema.

No que interessa aos propósitos da Ciência Jurídica, convém afirmar que o direito enquanto objeto especulativo tem uma estrutura bidimensional ou, mais apropriadamente, dual. O direito não é tridimensional como sustenta MIGUEL REALE, tampouco possui quatro dimensões como já cheguei a defender influenciado pela concepção culturo-integralista. (24) Segue-se então que direito não é fato, não é valor, não é fenômeno, não é linguagem, não é fim. O direito positivo ou direito-objeto reduz-se tão-somente ao binômio norma/postulado jurídico. Explica-se. (...).

- (Segue em breve, na II Parte) -
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(1) KANT, Immanuel. Crítica da razão pura. São Paulo: Martin Claret, 2002.

(2) SANTOS, Gildson Gomes dos. A imoralidade nos tribunais: um discurso sobre a interpretação judicial da moralidade administrativa. Salvador, UNIFACS, 2005 (monografia inédita).

(3) TELLES JUNIOR, Goffredo. O direito Quântico: ensaio sobre o fundamento da ordem jurídica. São Paulo: Max Limonad, 1985, 6ª ed..

(4) Cf. nota 2.

(5) BOBBIO, Norberto. O positivismo jurídico: lições de filosofia do direito. São Paulo: Ícone, 1995.

(6) COELHO, Fábio Ulhoa. Lógica jurídica, uma introdução: um ensaio sobre a lógica do direito. São Paulo: EDUC, 1994, 2ª ed.

(7) BOBBIO, Norberto. Op. cit.

(8) ÁVILA, Humberto. Teoria dos princípios: da definição à aplicação dos princípios jurídicos. São Paulo: Malheiros, 2005, 3ª ed.

(9) KELSEN, Hans. Teoria pura do direito. Coimbra: Armênio Amado, 1984, 6ª ed.

(10) Cf. nota 2.

(11) REALE, Miguel. Teoria tridimensional do direito: situação atual. São Paulo: Saraiva, 1994, 5ª ed.

(12) FERRAZ JÚNIOR, Tercio Sampaio. Teoria da norma jurídica ensaio de pragmática da comunicação normativa. Rio de Janeiro: Forense, 2000, 4ª ed; HABERMAS, Jürgen. Direito e democracia: entre facticidade e validade. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 2003, 2ª ed, vol. 1, 2.

(13) DINIZ, Maria Helena. Conceito de norma jurídica como problema de essência. São Paulo: Saraiva, 2003, 4ª ed.

(14) DINIZ, Maria Helena. Compêndio de introdução à ciência do direito. São Paulo: Saraiva, 1991, 3ª ed.

(15) Idem.

(16) Cf. REALE, Miguel. Teoria tridimensional do direito: situação atual. Op. cit.; Idem. Fundamentos do direito. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1998, 3ª ed.

(17) HABERMAS, Jürgen. Direito e democracia: entre facticidade e validade. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 2003, 2ª ed, vol. 1, 2.

(18) ECO, Humberto. Kant e o ornitorrinco. São Paulo: Record, 1998, pp. 51e ss.

(19) “Mundo-da-vida”, no idioma alemão.

(20) Por todos, ARAÚJO, Inês Lacerda. Do signo ao discurso: Introdução à Filosofia da Linguagem. São Paulo: Parábola, 2004; HABERMAS, Jürgen. Direito e democracia: entre facticidade e validade. Op. cit.

(21) KELSEN, Hans. Teoria pura do direito. Op. cit.

(22) A respeito do conceito de postulado, por todos cf. ÁVILA, Humberto Bergmann. A distinção entre princípios e regrase a redefinição do dever de proporcionalidade. Rio de Janeiro: Revista de Direito Administrativo (RDA) nº 215/151-179, Renovar, 1999.

(23) MADISON, James. Os artigos federalistas. Rio de Janeiro: Nova fronteira, 1993, p. 268.

(24) Cf. SANTOS, Gildson Gomes do. Op. cit.


Referência Bibliográfica deste Artigo (ABNT: NBR-6023/2000):

SANTOS, G. Gomes do. Globalismo jurídico: a nova face do direito. Blog do Gomes, Ribeira do Pombal, novembro, 2006. Disponível em: http://pombalnoticias.blogspot.com. Acesso em: xx de xxxxxxxx de xxxx (substituir x por dados da data de acesso ao site)